sábado, 24 de julho de 2010

Sangue Quente

Revirou-se na cama mais uma vez. Não conseguia dormir e o silencio era quebrado somente por duas coisas distintas, que à noite pareciam entrelaçadas. Racionalmente ela não conseguia ver o vinculo entre os ponteiros do seu relógio e o ruído do ar que inflava seus pulmões, porém havia. Não compreendia, mas podia sentir... Sentia-se cansada mentalmente e cada segundo parecia forçar seu coração a mais uma batida. Por um momento desejou estar morta, sem respiração, sem relógio, enfim, em silencio. Da cama não conseguia enxergar as horas, mas sabia que se passavam das três da manhã. Não dormia, contava os segundos.
Levantou da cama em um movimento brusco, se livrou do lençol que grudava seu corpo devido à noite abafada de verão. Seus pés buscaram instintivamente o alivio da cerâmica gelada e ela caminhou até a janela. Sentia-se fraca, exausta e insatisfeita. Queria ter a força de um soldado que lutou até o fim. Mas não, ela era fraca, ela implorava pelo tiro de misericórdia.
Foi até o banheiro. Seu reflexo lhe mostrava que estava acabada, porém algo nela ainda resistia... Algo ainda a impedia de por um fim em tudo. Lavou o rosto e a água fria lhe causou um tremor repentino... Olhou-se mais uma vez no espelho... Tinha que conseguir fazer ao menos isso. Uma coragem mortal inflamou seu peito enquanto a adrenalina corria em suas veias. Seu corpo possuía, ainda, algum instinto de sobrevivência e era isso que ela queria vencer.
Abriu a gaveta do banheiro e mesmo a meia luz pode distinguir o brilho da navalha. Voltou para o quarto. Sua cama estava ali do mesmo modo, porém ela se dirigiu ao relógio e lhe tirou as pilhas. Novamente encarou a cama quente e a cerâmica do chão não lhe pareceu mais apropriada, todavia foi a escolhida por lhe parecer infinitamente mais acolhedora.
Eram para sempre 3:32 da manhã. O relógio já não se movia, não havia mais os segundos que impulsionavam as batidas. Não havia mais o ruído da respiração. Silencio total. Silencio mórbido. No chão, o cadáver de uma moça. Suas pupilas abertas denunciavam que ela morreu encarando a cama. Preferiu o chão para fugir do calor e lá se deitou enquanto fez dois cortes longitudinais em cada pulso. Morreu rodeada por sangue. Por seu sangue. Seu sangue quente.

By_Flávia Tavares_

Um comentário:

Joane de Andrade disse...

Ela simplesmnete tem o dom de escrever, não tem outra explicação :D